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segunda-feira, 30 de maio de 2011

A impenhorabilidade do salário já não é absoluta


SIMONI APARECIDA MARRETO BOIÇA[1]
Orientadora: Rosângela Paiva Spagnol  (Prof. MS)






Quando o assunto gira em torno da instituição jurídica da  penhora, logo a defesa em torno da impenhorabilidade  do salário, salta à discussão, principalmente por parte daqueles mais positivistas, ou mais conservadores.
 Todavia,  atualmente o assunto é retomado com algumas ressalvas. E, é entorno destes parâmetros que pretendemos empreender alguma discussão.  Pretendemos  fazê-lo consoante a lei processual, visão jurisprudencial  sem prejuízo da contribuição doutrinária que permeia o assunto e, ao final talvez possamos afirmar que podemos afirmar que a impenhorabilidade do salário já não é mais  tão absoluta assim.

                   Segundo o inciso IV do artigo 649 do Código de Processo Civil, são absolutamente impenhoráveis:

“os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo”.

                        Esta previsão legal tem a clara intenção de proteger a dignidade e a própria subsistência do ser humano.

                   Importante ressaltar que, em casos de débito alimentar, tal dispositivo cai por terra, eis que segundo o §2º do mesmo diploma, o disposto no inciso IV do artigo 649 do Código de Processo Civil não se aplica nos casos de penhora para pagamento de prestação alimentícia.

                   Entretanto, alguns julgadores vêm utilizando a analogia e o princípio da proporcionalidade na interpretação da questão da impenhorabilidade do salário, pois entendem que a penhora de parte do salário não prejudica e não coloca em situação de risco a subsistência do executado, bem como devem ser utilizados todos os meios para a satisfação da execução.

                   Embora ainda sejam poucos os casos, já encontramos jurisprudências permitindo a penhora de porcentagem do salário. Vejamos algumas:

                                                “0162789-97.2010.8.26.0000, Agravo de Instrumento, Relator(a): Roberto Solimene, Comarca: Jales, Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 24/03/2011, Data de registro: 30/03/2011, Outros números: 990101627892. Ementa: PENHORA - SALÁRIO - POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL - PROCESSO QUE SE ARRASTA - INEXISTÊNCIA DE ACERVO - CONTRAPOSIÇÃO AXIOLÓGICA ENTRE A IMPENHORABIUDADE LEGAL, A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO VENCIDO E A EFETIVIDADE DO PROCESSO - AGRAVO PROVIDO EM PARTE PARA CONSTRANGER 15% DOS VENCIMENTOS LÍQUIDOS.[2]

                                                “0327684-75.2010.8.26.0000   Agravo de Instrumento / Locação de Imóvel, Relator(a): Adilson de Araújo, Comarca: Santo André, Órgão julgador: 31ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 26/10/2010, Data de registro: 08/11/2010, Outros números: 990.10.327684-1. Ementa: Voto n° 9.182 AGRAVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. TÍTULO JUDICIAL. PENHORA ON LINE. CONTA-CORRENTE COM CRÉDITO DE SALÁRIO. POSSIBILIDADE. MEDIDA EXCEPCIONAL. LIMITAÇÃO A 20% DOS VALORES DEPOSITADOS. RECURSO PROVIDO EM PARTE. Não se olvida a expressão literal do art. 649, inciso IV, do CPC, com a redação dada pela Lei n° 11.382/06. Mas, em execução de título judicial, na qual se esgotaram todos os meios disponíveis para a solvência do débito, restando apenas a penhora on Une como único meio para minimizar o crédito, enseja-se o acolhimento de outros valores jurídicos existentes no plano constitucional, como o princípio da efetividade e a regra da proporcionalidade para a resolução do conflito de interesses. Viabiliza-se, com eles, a mitigação do rigor estampado na norma processual, sem ferir a garantia ao salário do trabalhador. E essa mitigação deve ser aplicada apenas em caráter excepcional, não se caracterizando onerosidade excessiva a separação de 20% do maior saldo de cada mês existente na conta- corrente do devedor que se encontre nessa situação, ainda que proveniente de salário, até o limite do débito.[3]

                                                “9016541-43.2009.8.26.0000, Agravo de Instrumento / Prestação de Serviços, Relator(a): Reinaldo Caldas, Comarca: São Paulo, Órgão julgador: 29ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 26/05/2010, Data de registro: 01/06/2010, Outros números: 1281837/3-00, 992.09.069106-6. Ementa: Agravo de Instrumento - Ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença - Réu revel - Pedido de penhora do porcentual de 30% sobre o pro labore recebido pelo executado/agravado das empresas de que é sócio - Possibilidade, em vista do esgotamento de outras formas de satisfação do crédito - Não violação dos art. 649, IV, do CPC - Precedentes - Decisão reformada - Recurso provido. 1. Não havendo outros meios eficazes de satisfação do crédito da agravante, cabível a penhora sobre os valores recebidos a título de pro labore pelo executado das empresas de que é sócio, sobretudo se a constrição recai apenas sobre fração da verba. 2. O art. 649, IV, do CPC, com redação dada pela Lei 11.382/06, não faz referência expressa à impenhorabilidade do pro labore, competindo ao devedor produzir prova de que dessa remuneração dependem, de forma exclusiva, ele e sua família, para que seja equiparada às demais de caráter alimentar. Até que venha essa prova, a penhora é perfeitamente admissível. 3. Se os bens que o executado adquire com o produto de seu trabalho podem ser penhorados, não há razão para considerar intocável o salário ou o pro labore, se, em vez de ser aplicada em bens, a verba permanecer no bolso ou na conta corrente do devedor renitente, que insiste em ignorar e dar de ombros para a decisão judicial condenatória. 4. Por isso, opta-se por entendimento que, sem lançar o devedor à miséria, assegura a efetiva proteção ao direito violado, do credor, assim como a efetividade da decisão judicial pretérita, prolatada na fase de conhecimento.[4]” 

                        A discussão sobre o tema é grande. O entendimento majoritário é que o dispositivo legal é absoluto e não pode ser violado a qualquer pretexto.

                   Todavia, alguns sustentam que a impenhorabilidade do salário não pode ser vista de forma absoluta dentro do nosso sistema jurídico, pois o bem jurídico pertencente ao credor também merece proteção e a regra geral deve ser analisada de acordo com o caso concreto, com a aplicação do princípio da proporcionalidade. É o que sustenta Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani[5]:

                                                “Indiscutível a necessidade de se respeitar à dignidade da pessoa humana do executado, mas do outro lado, o do credor, há uma pessoa, que também precisa se sustentar e aos seus, que tem sua dignidade, e que, para mantê-la, vê-la respeitada, necessita e tem o direito de receber o que já foi reconhecido judicialmente como lhe sendo devido, e mais: uma pessoa à qual não pode ser jogado o peso de uma iniciativa empresarial que não logrou êxito, porquanto, claro é, se todos podem tentar vencer na vida, os escolhos que então se apresentarem, não podem ser contornados, colocando-se os mesmos no caminho de quem, útil quando se tentou uma atividade empresarial, incomoda quando o prosseguimento da mesma não se afigurou mais como possível, isso me parece óbvio! Sinto que essa tela não pode receber cores de aprovação da Justiça do Trabalho, o que caminharia para a própria negação de sua razão de ser, e para obstar seja emoldurada, reproduzindo a triste cena de um trabalhador desesperado, que teve seus direitos reconhecidos, mas frustrados por ulterior falta de quitação, pelos motivos aqui expostos, com seus filhos, chorando, esfomeados, e sua mulher, amargurada, decepcionada e já sem forças, há de ser aplicado o princípio da proporcionalidade, por meio do qual, sem agredir o artigo 649, IV, do Estatuto processual, dar-se-á resposta ao direito e à necessidade do credor/trabalhador/certamente desempregado.”

                        O fato é que, diante do novo rumo do entendimento doutrinário e jurisprudencial, podemos afirmar que a impenhorabilidade do salário já não é mais absoluta. Nós, operadores do direito, devemos acompanhar de perto tal questão, pois, diante do considerável aumento dos casos de inadimplência, logo surgirá a necessidade de pacificação do assunto.
  
   


Bibliografia:

1. GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto. “O Princípio da Proporcionalidade e a Penhora de Salário”, in Revista do TRT da 15ª Região, nº 27, p. 78.

2. http://esaj.tjsp.jus.br. Acesso em 30/05/2011.


[1] A autora  é  graduanda do 3º período de direito da Faculdade Barretos.
[2] Disponível em http://esaj.tjsp.jus.br. Acesso em 30/05/2011 às 16:13 h.
[3] Disponível em http://esaj.tjsp.jus.br. Acesso em 30/05/2011 às 16:16 h.
[4] Disponível em http://esaj.tjsp.jus.br. Acesso em 30/05/2011 às 16:21 h.
[5] GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto. “O Princípio da Proporcionalidade e a Penhora de Salário”, in Revista do TRT da 15ª Região, nº 27, p. 78.

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