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quinta-feira, 26 de maio de 2011

REMIÇÃO DA PENA PELO ESTUDO: a verdadeira liberdade é ter uma segunda chance

JULIANA PEREIRA AZEVEDO,  e
PRISCILA RODRIGUES LOURENÇO.[1]

(Profª.orientadora (Ms) Rosângela Paiva Spagnol)



           O presente trabalho tem por intento relatar o que vem a ser a remissão da pena pelo estudo, suas formas de aplicação, o projeto de lei e seus benefícios tais como a ressocialização, pretendendo trazer ainda  o entendimento jurisprudencial  já pacifico sobre a matéria.
         A remição disposta no art. 126, §1º, da Lei nº 7.210/84, ressalta o efeito de quitação, ou seja, readquirir os dias apenados por meio de esforço laboral, na proporção de cada três dias trabalhados a diminuição de um da pena.
 Contudo, vislumbra-se, com essa ação, não apenas a quebra da ociosidade do condenado, mas, principalmente, a sua ressocialização, fazendo com que disponha de meios suficientes de aprendizado e instrução, com o objetivo de reinseri-lo à sociedade, e qual outro meio de tamanha eficácia senão o estudo para a consecução de tal finalidade.
         Ademais, o Estado tem por obrigação a disponibilidade de meios necessários para obter a ressocialização do aprisionado ou egresso, colocando o reeducando no caminho da busca do seu reencontro com o convívio comum e  social.  Pois,  a pena não tem o fim único de punir, mas, sobretudo, e aí se infere o artigo 1º da Lei 7.210/84, fazer com que aquele praticante do delito seja trazido novamente à sociedade, reintegrando-o de forma harmoniosa e capacitada, evitando que ele retorne ao cenário marginal e criminoso.
           A Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, também explicitando a necessária e importante reinsersão social, em seu capítulo “Do Objeto e da Aplicação da Lei de Execução Penal”, assim é redigida:

              “Contém o art. 1º duas ordens de finalidades: a correta efetivação dos mandamentos existentes nas sentenças ou outras decisões, destinados a reprimir e a prevenir os delitos, e a oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança venham a ter participação construtiva na comunhão social. Sem questionar profundamente a grande temática das finalidades de pena, curva-se o Projeto, na esteira das concepções menos sujeitas à polêmica doutrinária, ao princípio de que as penas e medidas de segurança devem realizar a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade”.


           Sabe-se, e isto é de cunho até mundial, que uma das principais formas de se combater a violência e a criminalidade é na realização de bom trabalho voltado para a instrução do preso, seja através de uma capacitação técnico-profissional, seja pelo aprendizado escolar, proporcionado condições jamais auferidas pelo delinquente, tornando-o capaz de, quando de sua saída do encarceramento, poder deixar o mundo do crime e se inserir numa vida digna e honesta.
          Assim sendo, um dos meios mais benéficos e capazes de realmente produzir a ressocialização do condenado é a educação, através do estudo, onde se garante a possibilidade de inseri-lo posteriormente no mercado de trabalho, desta forma, mais capacitado e, portanto, com compatibilidade de competitividade, além de produzir no indivíduo aprisionado a consciência da sua importância no seio da sociedade, não mais como à margem da lei, mas agora como trabalhador, técnico ou estudante preparado para os desafios da vida. A doutrina tem se mostrado condizente a esta interpretação analógica e extensiva, quanto à remição da pena pelo estudo, como demonstra o insigne Renato Flávio Marcão, a saber:

“Com efeito, a melhor interpretação que se deve dar à lei é aquela que mais favoreça a sociedade e o preso, e por aqui não é possível negar que a dedicação rotineira deste aprimoramento de sua cultura por meio do estudo contribui decisivamente para os destinos da execução, influenciando de forma positiva em sua (re)adaptação ao convívio social. Aliás, não raras vezes o estudo acarretará melhores e mais sensíveis efeitos no presente o no futuro do preso, vale dizer, durante o período de encarceramento e quando da reinserção social, do que o trabalho propriamente dito, e a alegada taxatividade da lei não pode constituir óbices a tais objetivos, notadamente diante da possibilidade de interpretação extensiva que se pode emprestar ao disposto no art. 126 da LEP. Tanto quanto possível, em razão de seus inegáveis benefícios, o aprimoramento cultural por meio do estudo deve ser um objetivo a ser alcançado na execução penal, e um grande estímulo na busca de tal ideal é a possibilidade de remir a pena privativa de liberdade pelo estudo.”


           Esse objetivo primordial da Lei de Execução Penal, qual seja a reinserção do aprisionado no meio social onde vivia e foi retirado, tem, ao longo do tempo, adquirido cada vez mais força, sendo tratado, por alguns, com a importância que realmente prescinde, apesar de caminhar a passos ainda curtos e moderados.
           Todavia, dando esperança que um dia o intuito da Lei 7.210/84 seja efetivamente cumprido, com a consequente e eficaz reintegração do encarcerado criminoso na sociedade.
           A tendência dos julgamentos nos diversos Tribunais de Justiça deste país tem inclinado na projeção da consecução deste anseio da LEP, restando majoritária, ou até mesmo pacífica, a posição de que se deve a todo custo engendrar esforços para se obter a ressocialização do preso, sob pena de se retroceder ao selvagerismo pleno, transformando homens em verdadeiros animais vorazes e sem qualquer perspectiva de futuro.

            O próprio Superior Tribunal de Justiça e até a Suprema Corte já entendem, e assim vêm decidindo, que, até mesmo em crime hediondo, faz-se mister a autorização de saída de preso para estudo e capacitação fora do estabelecimento penal.
            É público e notório que o imediatismo do resultado da nova integração do aprisionado na comunidade é, sobretudo, demasiadamente moroso, o que talvez passe despercebido e não alimente vontades de se investir nesse campo, pois, o que se busca de pronto é a retirada do desordeiro da convivência social, impondo-lhe o castigo, sem a preocupação com o depois, com a posterior saída do mesmo da cadeia e volta à sociedade.
         
No dia 23 de março de 2011, foi aprovado simbolicamente, pela Câmara dos Deputados, substitutivo ao Projeto de Lei 7824/2010, que modifica a Lei de Execução Penal (LEP, lei 7210/1984), para permitir que presos tenham um dia de pena reduzido a cada 12 horas dedicadas a atividades de ensino. Como o texto foi alterado, o projeto deverá ser submetido à análise do Senado mais uma vez, antes de ser enviado para sanção presidencial.
           A proposta amplia e legitima um direito já conferido pela Justiça: por meio de súmula, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já definiu que o ensino formal é, tal qual o trabalho, causa de remição de parte do tempo da pena.
       Como não está previsto em lei, a remissão da pena pelo tempo de estudo depende da avaliação dos juízes das varas de execuções penais, pendendo os recursos para apreciação do STJ.
           De acordo com o novo texto aprovado, do deputado Amauri Teixeira (BA), presos em regime aberto ou semiaberto e os que estão em liberdade condicional poderão estudar em cursos presenciais ou à distância. Condenados que cumprem pena em regime fechado não estão autorizados a deixar o estabelecimento prisional, mas, não deixam de ter a oportunidade de diminuir a pena: podem participar de atividades de trabalho e estudo restritas ao presídio, sendo permitido também o ensino à distância, conforme dispõe a emenda feita pelo deputado Fernando Francischini (PR).
           O benefício não valerá para apenados por crimes hediondos ou equiparados. A emenda que proíbe a remição de pena por esses presos pelo trabalho ou estudo é do deputado Mandetta (MS). O Supremo Tribunal Federal já considerou matéria semelhante inconstitucional e, provavelmente, se manifestará contrariamente.
           As horas de estudo deverão ser distribuídas em, no mínimo, três dias por semana, o que equivale a quatro horas diárias de atividade de ensino, que pode ser nos mais diversos níveis: fundamental, médio, superior, profissionalizante ou de requalificação profissional. Deve haver compatibilidade de horários para os presos que trabalharem e estudarem.
             Os presos que forem autorizados a estudar fora da penitenciária deverá comprovar mensalmente aproveitamento e frequência escolar por meio de declaração emitida pela unidade de ensino. Caberá à diretoria do estabelecimento prisional encaminhar todo mês ao juízo de execução penal um registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, bem como dos dias de trabalho ou frequência em atividade de ensino de cada um. A diminuição da pena pelo trabalho ou estudo será declarada pelo juiz de execução penal.
              Nos casos em que a remição de pena com o estudo foi permitida, a jurisprudência norteou sua aplicação. Contudo, ainda há divergência quanto à fixação do número de horas de estudo para reduzir um dia de pena. Na tentativa de suprir esta lacuna, o projeto disciplina a questão e também permite a contagem das 12 horas de atividade de ensino e de trabalho para todos os efeitos, como progressão de regime.
           Dois pontos do projeto do Senado foram excluídos. Um deles permitia ao preso solicitar bolsa do ProUni (Programa Universidade para Todos) e o outro aumentava em 1/3 o tempo remido no caso de conclusão dos níveis de ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena.
             O deputado Fernando Francischini apresentou a emenda que extinguiu a possibilidade do benefício por bolsa integral do ProUni:

                     "Não tem dinheiro para pagar ProUni para todos e tem coisa no caminho antes (de atender o preso). Temos dificuldade para aumentar as verbas para o ProUni para atender o jovem carente",

Francischini também lamentou a não aprovação da emenda que exigia o acúmulo de 24 horas de trabalho para diminuir a pena em um dia.

                   "O preso costura bola por duas horas e tem a diminuição de pena. Ele teria de trabalhar oito horas por dia, como qualquer trabalhador faz".


           Para a vice-presidente da Secretaria de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), juíza Renata Gil, o projeto é
                                   “a primeira medida do Estado para incentivar a educação do preso”.


 A juíza ainda declarou que:


             “o sistema como está não funciona, porque a vida do preso não muda no período em que ele cumpre. Ele sai de lá com os mesmos problemas sociais que tinha quando entrou”.


           Dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) revelam que, de todos os regimes, pouco mais de 40 mil condenados são estudantes, número que corresponde a apenas 8% da população carcerária. O nível de escolaridade da maioria dos presos é baixo, cerca de 66% deles não possuem o ensino fundamental completo.
           O projeto de lei 7824/2010 seria uma forma de incentivá-los a buscar forma de educação, uma vez que poderão ser beneficiados com isso.
Marivaldo Pereira, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, ressalta a necessidade de investimentos por parte dos governos:

          “analisando a situação atual dos presídios, é óbvio que será necessária    adaptação para garantir esse direito”.


           A iniciativa é louvável e tem potencial para melhorar as condições de reinserção dos presos no mercado de trabalho após o cumprimento da pena, uma vez que a falta de capacitação e a baixa escolaridade são empecilhos significativos para admissão de ex-detentos. De acordo com informações fornecidas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), apenas 15% das vagas oferecidas pelo Programa Começar de Novo foram preenchidas.
           Sendo assim, é de se admitir que a remição pelo estudo demonstra o quão é benéfica ao preso, no regime fechado ou semi-aberto, e principalmente à sociedade, a sua aplicação, readaptando-o ao habitat social, numa plena e harmônica interação de convívio e permanência.
           Parte da jurisprudência vem aceitando a remissão pelo estudo. Vejamos o HC do STJ 30623-SP, relator e ministro Gilson Dipp.
HC 30623 / SP
HABEAS CORPUS
2003/0170764-3
Relator:
Ministro GILSON DIPP (1111)
Órgão Julgador:
T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento:
15/04/2004
Data da publicação/Fonte:
DJ 24/05/2004 p. 306
Ementa:
CRIMINAL. HC. REMIÇÃO. FREQÜÊNCIA EM AULAS DE CURSO OFICIAL -
TELECURSO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 126 DA LEI
DE EXECUÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.


I.  A Lei de Execuções Penais previu a remição como maneira de
abreviar, pelo trabalho, parte do tempo da condenação.
II. A interpretação extensiva ou analógica do vocábulo “trabalho”,
para abarcar também o estudo, longe de afrontar o caput do art. 126
da Lei de Execução Penal, lhe deu, antes, correta aplicação,
considerando-se a necessidade de se ampliar, no presente caso, o
sentido ou alcance da lei, uma vez que a atividade estudantil, tanto
ou mais que a própria atividade laborativa, se adequa perfeitamente
à finalidade do instituto.
III. Sendo um dos objetivos da lei, ao instituir a remição,
incentivar o bom comportamento do sentenciado e a sua readaptação ao
convívio social, a interpretação extensiva se impõe in casu, se
considerarmos que a educação formal é a mais eficaz forma de
integração do indivíduo à sociedade.
IV. Ordem concedida, para restabelecer a decisão de primeiro grau de jurisdição.

Acórdão:
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal
de Justiça, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Laurita
Vaz, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer votaram com o Sr.
Ministro Relator.

Resumo Estruturado:
     LEGALIDADE, DECISÃO JUDICIAL, JUIZ, VARA DE EXECUÇÕES
CRIMINAIS, CONCESSÃO, REMIÇÃO PENAL, PERIODO, PRESO, EFETIVIDADE,
PARTICIPAÇÃO, CURSO SUPLETIVO, DECORRENCIA, APLICAÇÃO, INTERPRETAÇÃO
EXTENSIVA, DISPOSITIVO LEGAL, LEI DE EXECUÇÃO PENAL, CARACTERIZAÇÃO,
ATIVIDADE, INTEGRAÇÃO SOCIAL, PRESO.

Referencia Legislativa:
*****  LEP-84    LEI DE EXECUÇÃO PENAL
        ART:00001 ART:00010 ART:00028 ART:00126

Doutrina:
OBRA   : JUÍZES PARA A DEMOCRACIA Nº 22, EDIÇÃO DE OUTUBRO/DEZEMBRO
         DE 2000
AUTOR  : MÔNICA LOUISE DE AZEVEDO E MARIA TEREZA UILLE GOMES

BIBLIOGRAFIA:
JESUS, E. Damasio. Direito  Penal Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2005.
GOMES, Luiz Flavio. Parte Geral Culpabilidade e Teorias da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Parte Geral Sinopses Jurídicas. São Paulo: Saraiva, 2002.
CAPEZ. Fernando. Curso de processo penal. São Paulo : Saraiva, 1998, p. 342.
MARCÃO, Renato Flávio, Curso de execução penal, de acordo com as Leis n. 10.763/2003 e 10.792/2003, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 126/127.  
Mirabete, Julio Fabbrini, Execução Penal : comentários à Lei nº 7.210, de 11-7-1984 / Julio Fabbrini Mirabete. – 11. ed. – Revista e atualizada - São Paulo: Atlas, 2009.
Boletim de publicação oficial do IBCCRIM, ano 11, nº 133, Dezembro/2003, p. 757.
Disponível em <http://www.ibccrim.org.br> acesso em: 02.05.2011.
Disponível em <http://www.direitonet.com.br/resumos/exibir/292/Penas > acesso em: 08.05.2011.
Disponível em <http://www.buenoecostanze.com.br > acesso em: 12.05.2011.
Disponível em  < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=495623  acesso em: 22.05.2011.


[1] Ambas são graduandas do 3º período do curso de Direito da Faculdade Barretos, exercício 2011.

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