Joana Soleide Dias[1]
Orientadora Rosangela Paiva Spagnol. (Prof. MS)
Analisar o discurso pelo olhar de Foucault é um trabalho tão instigante quanto compensador; sua visão de que não há nenhuma verdade essencialmente humana, assim como não existe nenhuma verdade transcendente, pois todo discurso pressupõe uma verdade a ser mostrada por um suposto saber, é um elemento discutido e, ao mesmo tempo, refutado pelos profissionais da área de Direito.
Para o autor, os “discursos devem ser tratados como práticas descontínuas que se cruzam, que às vezes se justapõem, mas que também se ignoram ou se excluem”[2]. Um discurso verossímil não trás em si, a vontade da verdade que lhe é inerente; mas sim, o objeto do convencimento como sentido único, sem deixar dúvidas do seu caráter. Pela teoria da argumentação jurídica a tese de Foucault se reforça, no sentido que o argumento jurídico nem sempre está comprometido aos fatos ou ao mundo do Direito. Seu intuito maior é de argumento retórico cujo objetivo é a adesão do interlocutor.
O discurso, nesta vertente, nos impõe Interpretar, e não apenas encontrar um significado unívoco para determinado signo; mas, especialmente submeter ao outro uma verdade que produza efeitos indeléveis.
A interpretação no discurso (dentre elas, a jurídica) é fundamentada por relações de poder, pois o conhecimento indica poder.
Segundo Foucault, a sociedade se constitui dentro de um sistema de regras, um jogo o qual dará poder a quem se apoderar dessas regras, se utilizar delas, subvertendo-as de forma que essas mesmas regras se voltam contra quem as criou, estabelecendo a dominação de forma institucionalizada, fazendo funcionar o sistema que os dominadores encontrar-se-ão dominados por suas próprias regras.
Se interpretar é se apropriar a qualquer custo de um sistema de regras a qual a significação essencial se diversifica, lhe impor uma direção, de acordo com o nosso convencimento, chegaremos a um caminho em que a humanidade é uma série de interpretações. Por conseqüência a interpretação nunca pode se concluir isto simplesmente porque nada há de absolutamente primeira a interpretar, pois no fundo tudo já é interpretação; cada signo é nele mesmo não a coisa que se oferece à interpretação, mas interpretação de outros signos.
Michel Foucault, em sua tese sobre verdade e conhecimento, tem como primicia que não há uma relação necessária entre o conhecimento e as coisas a conhecer, posto que, o conhecimento sobre algo não é próprio de sua essência. O conhecimento não faz parte da natureza humana, não é algo que diz respeito à essência do homem; o conhecimento é algo inventado: “o conhecimento não é instintivo, é contra-instintivo, assim como ele não é natural, é contranatural”.[3]
Afirma ainda,
“....uma natureza humana, um mundo, e algo entre os dois que se chama o conhecimento, não havendo entre eles nenhuma afinidade, semelhança ou mesmo elos de natureza”. [4]
O Direito é o espaço do conflito onde se desenvolve de maneira institucionalizada e de acordo com procedimentos comuns às partes em litígio. Segundo Foucault, “Entrar no domínio do direito significa matar o assassino, mas matá-lo segundo certas regras, certas formas”[5].
No direito não se estabelece vencedores e vencidos sem a interferência de uma terceira pessoa, alheia à controvérsia, que servirá como mediadora, pois se está diante de duas verdades. È essa terceira pessoa que, em seguida, dirá um veredicto sobre qual verdade prevaleceu. Sem determinar qual verdade é a efetivamente verdadeira, apenas, qual prevalecerá.
Do procedimento inquisitivo que se torna possível o embate de verdades institucionalizadas, regulamentadas, para que a conclusão estabeleça qual a verdade prevaleceu naquele litígio e diante de quais circunstâncias, resultante do saber-poder. O saber resultante do embate de verdades; o poder determinante de qual das verdades prevalecerão de forma coercitiva. O direito por relações de poder institucionalizando soluções de verdades que convencem, sobre verdades subjugadas, solução designada por um terceiro resultante da importância do discurso e das formas de persuasão.
O marcante do pensamento de Foucault é o que nos mostra a desformalização da ideia de verdade única que indica a verdade como produção histórica e social, a multiplicidade e heterogeneidade presentes nos diferentes objetos, negando-se a possibilidade de apreendê-los de forma objetiva e neutra, questionando a ideia dor conhecimento embasado em uma verdade, seja ela revelada ou apreendida da “realidade”.
O pensamento de Foucault nos impulsiona para uma atitude de estranhamento das instituições, procedimentos e conteúdos jurídicos existentes, pressupondo-se que toda e qualquer relação social está intrinsecamente ligada em relações de poder. De modo que o social está diretamente relacionado ao poder, e o direito, como fruto social, como reflexo desta relação assimétrica.
Concluindo, nos mostra a sua concepção de hermenêutica e verdade decisivamente descaracterizando o discurso jurídico como um discurso imparcial, isento e universal.
Para ele: “O amor à verdade é terrível e poderoso”.
Referências bibliográficas
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro:NAU Editora, 2003.
[1] A aluna autora é graduando em direito do 3º período em Direito da Faculdade Barretos.
[2] FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
[3] FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1999. p 17.
[4] Id. p 18.
[5] FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro:NAU Editora, 1999. p 57.
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